Finitude

Depois de passar por um infarto que quase me tirou a vida, minha compreensão foi definitivamente afetada. Passei a entender coisas que antes não entendia e a não entender outras que, de tão tão triviais, não requeriam qualquer conjectura.

Na minha nova consciência, algumas verdades absolutas passaram a ser relativas e um sem número de “porquês”, sufocados por muito tempo, emergiram para povoar meus pensamentos.

Entre as elucubrações que tomaram conta do meu pensamento, a mais frequente foi motivada pela constatação da incontrolável cobiça humana pela eternidade. Tantos pequenos sinais que sempre estiveram presentes, são agora, cada um, fonte de formulação de hipóteses e longas avaliações.

Fazemos planos e os classificamos em função de quando vamos implementá-los ou concluí-los. Carreira, finanças, moradia, férias.

Adiamos pequenos e grandes encargos para amanhã, segunda feira, ano que vem… Pode ser um exame médico, uma visita a um amigo ou familiar, um pedido de desculpas ou um “eu te amo”. Em nosso cenário, estaremos sempre presentes.

Todas as entidades que conhecemos são, obviamente, criações humanas: governos, partidos políticos, empresas, igrejas, universidades, clubes, times de futebol e a mais impressionante de todas as entidades: O MERCADO. Todas acabaram por adquirir personalidade, vida e prioridades próprias. O mais incrível é que todos somos finitos. Vamos morrer um dia, mas as entidades, criaturas nossas, não as dotamos deste atributo.

E o mundo que desenvolvemos ao longo dos milênios é tal que todos hoje temos que aderir às entidades. Passamos muitos anos nos preparando para fazermos parte delas: educação básica, faculdade, pós graduação, MBA, mestrado. Como as entidades têm seus próprios objetivos, necessitam suas próprias regras e, incorporados a elas, muitas vezes tomamos atitudes e agimos contra nossas próprias convicções, desejos ou necessidades. Lembro de quantas vezes, ao demitir um funcionário, meu discurso pessoal foi algo como: “se dependesse só da minha vontade, eu não faria isto, mas você sabe, temos que pensar nas normas e objetivos da empresa….”

Partidos políticos, clubes, times de futebol, igrejas, governos, empresas… O que seria qualquer destas entidades sem pessoas que as criassem, que as compusessem ou que comprassem seus produtos ou serviços? Porque permitimos que elas se tornem mais importantes do que cada um de nós? Porque projetamos nelas nosso desejo de eternidade. Quando incorporamos as entidades, pensamos com parte delas e sucumbimos às suas normas e personalidades, esquecemos nossa finitude em nome do “objetivo maior”

Quando vemos notícias diariamente nos meios de comunicação sobre mortes e tragédias que atingem pessoas distantes, que não têm nomes, lamentamos mas logo esquecemos. Pouco nos atinge. Mas quanto mais perto isto chega de nós, mais nos atinge. Quando a vítima tem nome, quando conhecemos sua história ou quando fez parte de nossa vida, tivemos contato direto, aí sim nos afeta profundamente. Lamentamos a perda, choramos, nos revoltamos ou deprimimos. A explicação racional diz que é porque vamos sentir falta da pessoa, que sofremos por ela.

Na verdade, em grande parte, este sentimento que nos invade deve-se à constatação de nossa própria finitude. Quanto mais próxima a perda, mais forte nos chega a mensagem.

“TODO HOMEM TEM QUE PLANTAR UMA ÁRVORE, ESCREVER UM LIVRO E TER UM FILHO”. O conhecido chavão revela a necessidade que temos de transcender a nossa morte e nos perpetuarmos, de alguma forma. Uma árvore, um livro e um filho levam nossos pensamentos e conceitos, nosso nome e nosso corpo para além de nós mesmos, de nossa existência e de nossa vida.

Entendo que acumular riquezas faz parte de nosso instinto. Mas o que explica a luta desenfreada (honesta ou desonesta, legal ou ilegal) pela acumulação de valores que não conseguiremos gastar em uma vida toda?

Pense um pouco sobre isso e me conte sua opinião.

5 Responses to Finitude

  1. Avatar de Ana Ana disse:

    Com o desenvolvimento das civilizações, os homens foram percebendo o prazer do convívio social como também que o trabalho em grupo trazia muito mais benefícios a todos em detrimento do trabalho individual. Eles precisaram criar ordem e regras para que tudo funcionasse bem e com justiça. Aos poucos tudo isto foi se desenvolvendo até chegarmos as grandes organizações que temos hoje. Estas organizações, que muitas vezes são mais longevas que os homens, foram uma maneira de guardar, acumular e desenvolver conhecimento, história, tecnologia, etc. Infelizmente neste processo existem distorções, injustiças, egos … que muitas vezes prejudicam pessoas. As organizações precisam se proteger, e com isto muitas vezes se sobrepõem ao indivíduo. Porém penso o quanto estas instituições trazem de benefícios as pessoas. Vamos pensar nas escolas, universidades que preparam nossos profissionais, na desenvolvimento de tecnologia, medicina, energia….Como seria a vida na terra se nunca tivessem existidos estas instituições? No governo que deve atender nossas necessidades de cidadania. E as outras áreas de atividade como industria, comercio e serviços, que provem tantas famílias em suas necessidades materiais e também culturais, como estariam? Teríamos tanto desenvolvimento e riqueza para tantas pessoas sem tudo isto? Você já ouviu falar do setor 2,5?
    É uma nova forma de fazer negócio, onde se desenvolve uma atividade lucrativa mas com foco nos efeitos sociais e ambientais da mesma. O grande desafio da nossa geração é buscar um equilíbrio das atividades profissionais com todos os resultados que a mesma vai resultar no ambiente. Beijos

    • Boas considerações. Eu acho que você tem razão em grande parte de suas observações, sem dúvida.
      Mas as instituições só fazem sentido se seus propósitos residirem nas pessoas, ou seja, se elas servirem às pessoas coletivamente e não ao contrário. Se a finalidade das instituições se encerrar nelas mesmas, se pessoas tiverem que servir a elas, com sacrifícios individuais e até coletivos, acho que algo não está bem.

  2. Avatar de nady miró junior nady miró junior disse:

    Olá Julinho. Tudo bem?
    Com relação ao assunto tenho a dizer que devemos acumular riqueza suficiente para vivermos bem, de forma confortável.Não há necessidade de termos grande patrimônio e riqueza, pois quando isso acontece, muitas vezes, uma vida inteira não é suficiente para desfrutá-la por inteiro.
    Um abraço.

  3. Avatar de Luís Cuadra Luís Cuadra disse:

    Excelente reflexão e melhor ainda , brilhante redação meu amigo. Abraços.

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