Há muitos anos tive um sonho muito marcante. No sonho, fiquei sabendo que meus três filhos (então com idades entre 5 e 10 anos) iriam morrer em um futuro próximo. Desesperado comecei a orar pedindo a Deus que não permitisse, usando todos os argumentos e repetições possíveis, até que Ele me disse: “Está bem. Vou atender ao teu pedido, mas a responsabilidade é tua”. Então, pensando em tudo o que poderia significar este alerta, com grande dor, respondi a Deus: “Não, Senhor. Faça conforme a Sua vontade”.
Nunca mais esqueci aquele sonho. Lembro de forma muito viva do sentimento de tristeza pela iminência de perder meus filhos amados, mas vivo é também o sentimento de reconhecer a sabedoria e a soberania de Deus. Confiar e crer que a Sua vontade seria a melhor alternativa diante daquele terrível dilema, ainda que implicasse enfrentar uma dor quase insuportável – talvez a pior que eu pudesse imaginar, fez com que eu entendesse o verdadeiro sentido de “descansar em Deus”.
‘Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus. ‘
Filipenses 4:6-7
Esta instrução de Paulo foi dirigida “a todos os santos em Cristo Jesus, inclusive bispos e diáconos que vivem em Filipos” (Fp 1:1). Qualquer pessoa, portanto, pode descansar em Deus, ou, em outras palavras, desfrutar da paz de Deus, que excede todo entendimento. É necessário, contudo, aceitar que Cristo Jesus guarde seu coração e sua mente. É necessário conhecer e viver a mensagem do Evangelho.
A vida apostólica de Paulo é rica em exemplos de entrega e confiança em Deus. Neste estudo focamos nos relatos de Lucas, registrados no livro dos Atos dos Apóstolos.
Saulo era judeu, nascido em Tarso, filho de fariseu, cidadão romano, criado em Jerusalém, discipulado por Gamaliel (At 5:38), passou parte de sua vida perseguindo cristãos, até que, após testemunhar a morte de Estêvão (At 7 e 8:1), a caminho de Damasco, converteu-se quando tinha idade entre 30 e 40 anos, após Jesus lhe falar diretamente:
‘Seguindo ele estrada fora, ao aproximar-se de Damasco, subitamente uma luz do céu brilhou ao seu redor, e, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Ele perguntou: Quem és tu, Senhor? E a resposta foi: Eu sou Jesus, a quem tu persegues; mas levanta-te e entra na cidade, onde te dirão o que te convém fazer. Os seus companheiros de viagem pararam emudecidos, ouvindo a voz, não vendo, contudo, ninguém. Então, se levantou Saulo da terra e, abrindo os olhos, nada podia ver. E, guiando-o pela mão, levaram-no para Damasco. Esteve três dias sem ver, durante os quais nada comeu, nem bebeu. ‘
Atos 9:3-9
Pela primeira vez Saulo confiou plenamente na ordem que recebera de Jesus e seguiu para Damasco, sem nada discutir, apenas obedecendo.
Por sua vez, Ananias ao receber de Jesus a ordem de levar cura e conversão a Saulo, temendo, hesitou e argumentou. O Senhor então confirmou sua missão e ele a cumpriu. Assim Paulo começou sua missão evangelística, pregando em Damasco por um tempo, e iniciando sua jornada.
Não é difícil imaginar a dificuldade enfrentada por Saulo, no início de sua “carreira”. Por um lado, defrontava-se com a desconfiança e temor dos cristãos, devido ao seu passado e, por outro, enfrentava a perseguição e o ódio de seus antigos companheiros judeus, que além de combaterem o cristianismo nascente, o tinham como “traidor”.
Depois de pregar em Jerusalém, Cesareia e Tarso, esquivando-se dos planos e tentativas dos judeus para matá-lo, já há mais de um ano em Antioquia, o Espírito Santo ordenou que Saulo partisse em missão (At 13: 1 – 3), acompanhado de Barnabé e Marcos (João). Sem hesitação, Saulo obedeceu.
Quando partiram de Pafos em direção a Panfília, Paulo (a partir de At 13:9 Saulo passa a ser chamado de Paulo nas escrituras), Marcos (João) não os acompanhou e voltou a Jerusalém. Tendo passado por diversos locais pregando o Evangelho, sempre esquivando-se das artimanhas dos judeus, Paulo e Barnabé estavam em Listra, onde curaram publicamente um paralítico, impressionando e convertendo a muitos. Desta vez, contudo, os judeus conseguiram provocar a multidão, que apedrejou Paulo quase até à morte. Mas nem isto o desanimou, pois no dia seguinte já seguiu para pregar e levar à conversão em outras cidades (At 14:10-20).
Sua segunda viagem missionária foi após separar-se de Barnabé, por não aceitar a companhia de Marcos (João) que os tinha deixado na viagem anterior (At 15:36-41). Houve desavença suficientemente séria, como para separar os companheiros de missão. As escrituras não fornecem mais detalhes. Teria esta rusga ocorrido fora do controle de Deus? Teriam sido gerados sentimentos de ofensa e rancor? Creio que não. Barnabé e Marcos seguiram para Chipre, enquanto Paulo e Silas foram para a Síria e Silícia. Todos continuaram a pregar a mensagem de Jesus. Marcos acabou escrevendo o seu Evangelho e Paulo, ao escrever para Timóteo, disse:
‘Somente Lucas está comigo. Toma contigo Marcos e traze-o, pois me é útil para o ministério. ‘
2Timóteo 4:11
Aparentemente tudo estava conforme o plano de Deus e não houve rancor entre os apóstolos.
Paulo e seus companheiros (incluindo Timóteo) seguiam seu caminho evangelizando, quando novamente recebe ordem direta de Deus, conforme descrito em Atos 16:6-10:
‘E, percorrendo a região frígio-gálata, tendo sido impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia, defrontando Mísia, tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus não o permitiu. E, tendo contornado Mísia, desceram a Trôade. À noite, sobreveio a Paulo uma visão na qual um varão macedônio estava em pé e lhe rogava, dizendo: Passa à Macedônia e ajuda-nos. Assim que teve a visão, imediatamente, procuramos partir para aquele destino, concluindo que Deus nos havia chamado para lhes anunciar o evangelho. ‘
“Assim que teve a visão, imediatamente, procuramos partir” – Uma vez mais não houve hesitação. Não há relato de temores ou preocupações. Apenas obediência e confiança na Providência.
Em Filipos (Macedônia), Paulo e Silas foram açoitados e aprisionados (desta vez por romanos). Próximo da meia noite, acorrentados e encarcerados, Paulo e Silas entoavam louvores quando um terremoto os libertou. Isto serviu para a conversão de muitos naquele lugar. Perceba-se, que outra vez aqui o que se destaca é a paz de espírito daqueles que descansam em Deus, confiando em Sua sabedoria e plenipotência (At 16:16-40).
Em Corinto:
‘Teve Paulo durante a noite uma visão em que o Senhor lhe disse: Não temas; pelo contrário, fala e não te cales; porquanto eu estou contigo, e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade. ‘
Atos 18:9-10
Crendo e confiando, Paulo permaneceu muito tempo ensinando a Palavra e Evangelizando. Mesmo acusado diante da autoridade romana (Proconsul Gálio), manteve a mesma atitude de confiança, descansando em Deus (At.18:12-17).
Já em sua terceira viagem missionária (que durou 8 anos), em Mileto, Paulo fala aos efésios:
‘E, quando se encontraram com ele, disse-lhes: Vós bem sabeis como foi que me conduzi entre vós em todo o tempo, desde o primeiro dia em que entrei na Ásia, servindo ao Senhor com toda a humildade, lágrimas e provações que, pelas ciladas dos judeus, me sobrevieram, jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus [Cristo]. E, agora, constrangido em meu espírito, vou para Jerusalém, não sabendo o que ali me acontecerá, senão que o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam cadeias e tribulações. Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus. Agora, eu sei que todos vós, em cujo meio passei pregando o reino, não vereis mais o meu rosto. ‘
Atos 20:18-25
A caminho de Jerusalém, em Cesareia, após um alerta do profeta Ágabo de que os judeus prenderiam Paulo em Jerusalém, os discípulos tentaram demovê-lo de seu propósito.
‘Quando ouvimos estas palavras, tanto nós como os daquele lugar, rogamos a Paulo que não subisse a Jerusalém. Então, ele respondeu: Que fazeis chorando e quebrantando-me o coração? Pois estou pronto não só para ser preso, mas até para morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus. Como, porém, não o persuadimos, conformados, dissemos: Faça-se a vontade do Senhor! ‘
Atos 21:12-14
Novamente Paulo demonstra sua grande confiança no plano divino, entregando-se confiantemente ao propósito determinado por Deus e rejeitando qualquer apreensão, ainda que lhe custasse a própria vida.
Em Jerusalém, Paulo foi acusado e injuriado pelos judeus. Quase linchado na sinagoga, foi preso pelos romanos, levado ao Sinédrio e, finalmente, preso na Fortaleza Antônia, onde Jesus novamente lhe falou:
‘Na noite seguinte, o Senhor, pondo-se ao lado dele, disse: Coragem! Pois do modo por que deste testemunho a meu respeito em Jerusalém, assim importa que também o faças em Roma. ‘
Atos 23:11
A partir de então, sob custódia dos romanos, Paulo escapou de ciladas e foi levado a Cesareia Marítima e submetido a diferentes autoridades romanas, sendo vítima de mentiras, interpretações insidiosas da verdade e acusações diversas, por aproximadamente dois anos. Percebendo que nenhum argumento seria eficaz contra a astúcia de seus inimigos, Paulo apela a César, (direito de cidadão romano).
‘Então, Festo, querendo assegurar o apoio dos judeus, respondeu a Paulo: Queres tu subir a Jerusalém e ser ali julgado por mim a respeito destas coisas?
Disse-lhe Paulo: Estou perante o tribunal de César, onde convém seja eu julgado; nenhum agravo pratiquei contra os judeus, como tu muito bem sabes. Caso, pois, tenha eu praticado algum mal ou crime digno de morte, estou pronto para morrer; se, pelo contrário, não são verdadeiras as coisas de que me acusam, ninguém, para lhes ser agradável, pode entregar-me a eles. Apelo para César.
Então, Festo, tendo falado com o conselho, respondeu: Para César apelaste, para César irás. ‘
Atos 25:9-12
Já tendo sido submetido a Festo, Paulo agora era submetido à autoridade do Rei Herodes Agripa II, a quem relatou toda sua história, defendendo-se. Ao final, Agripa afirma a Festo que Paulo era inocente.
‘A essa altura, levantou-se o rei, e também o governador, e Berenice, bem como os que estavam assentados com eles; e, havendo-se retirado, falavam uns com os outros, dizendo: Este homem nada tem feito passível de morte ou de prisão. Então, Agripa se dirigiu a Festo e disse: Este homem bem podia ser solto, se não tivesse apelado para César.’
Atos 26:30-32
Ainda assim, não há relato de que Paulo tenha se arrependido de apelar a César, pois seguia entregue à missão que recebera e confiante no plano divino.
Foi então enviado a Roma, para apresentar seu caso a César. No trajeto, de navio, a comitiva foi apanhada por um tufão. Paulo havia alertado o centurião encarregado da comitiva sobre o mau tempo, sugerindo que permanecessem no abrigo de um porto do caminho, mas o piloto e o mestre do navio preferiram seguir viagem.
‘Havendo todos estado muito tempo sem comer, Paulo, pondo-se em pé no meio deles, disse: Senhores, na verdade, era preciso terem-me atendido e não partir de Creta, para evitar este dano e perda. Mas, já agora, vos aconselho bom ânimo, porque nenhuma vida se perderá de entre vós, mas somente o navio. Porque, esta mesma noite, um anjo de Deus, de quem eu sou e a quem sirvo, esteve comigo, dizendo: Paulo, não temas! É preciso que compareças perante César, e eis que Deus, por sua graça, te deu todos quantos navegam contigo. Portanto, senhores, tende bom ânimo! Pois eu confio em Deus que sucederá do modo por que me foi dito. ‘
Atos 27:21-25
Neste episódio, Paulo não apenas descansou em Deus, mas transmitiu a todos quantos o acompanhavam (companheiros, amigos, irmãos, carcereiros, algozes) a paz e o consolo de quem confia. O navio acabou por naufragar, mas nenhuma vida se perdeu naquele episódio.
Após isto, Paulo foi conduzido a Roma, realizando milagres e levando pessoas à conversão pelo caminho.
‘Por dois anos, permaneceu Paulo na sua própria casa, que alugara, onde recebia todos que o procuravam, ‘
Atos 28:30
Paulo foi libertado em 63.
A paz de Deus, que excede todo entendimento, guarda nosso coração e nossa mente SE e QUANDO cremos que Ele é soberano e plenipotente, conhece todas as nossas necessidades e desejos, nos ama incondicional e ilimitadamente, portanto, Ele sempre nos dará só o que for melhor, ainda que eventualmente não possamos entender ainda. Devemos apresentar a Deus todas as nossas petições, mas só descansamos em Deus quando, além de entender e reconhecer isso, confiamos em Seus desígnios, deixando de lado toda ansiedade, dúvidas e preocupações.
20 de março de 2019.
Uau!! Glória a Deus.
Obrigada por compartilhar seu texto e reflexão, mano. Mensagem profunda e importante. Bj