Este ensaio é baseado no sermão pregado em 18/09/1994, pelo Dr. Stephen Davey (pastor batista nos EUA). Traduzido pelo Pr. Denis Salgado.
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1 Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. 2 Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto limpa, para que produza mais fruto ainda. 3 Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado; 4 permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Como não pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira, assim, nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em mim. 5 Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. 6 Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam. 7 Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito. 8 Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos. Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos. 9 Como o Pai me amou, também eu vos amei; permanecei no meu amor. 10 Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; assim como também eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e no seu amor permaneço. 11 Tenho-vos dito estas coisas para que o meu gozo esteja em vós, e o vosso gozo seja completo.
João 15:1-11
Em João 15, vemos um dos maiores desafios da vida cristã. À primeira instância, é desanimador, mas, quando olhamos mais de perto, é algo encorajador porque não somente mostra o modelo, mas revela os meios para atingirmos esse modelo.
Os versos que acabamos de ler se encaixam dentro do que os princípios de interpretação bíblica chamam de alegoria[1]. Ou seja, essa passagem é uma metáfora prolongada. Somos colocados naquele contexto como um dos objetos. Nessa alegoria, entramos numa vinha da Palestina. Vemos de imediato que o Dono é Deus o Pai; a enorme vinha é o Senhor Jesus; e os muitos galhos pendurados carregados de uva são os crentes. João 15 é, provavelmente, uma das alegorias mais conhecidas na Bíblia.
João 15 tem a potencialidade de ser mal interpretado e gerar uma teologia distorcida, caso não interpretemos esse texto corretamente. O livro Princípios Básicos de Interpretação Bíblica, de Roy Zuck, fornece duas advertências na seção sobre alegorias. Pode se entender nos versos 2, 5 e 6 que, se não produzirmos muitos frutos, devemos temer o fogo.
- A primeira advertência é: não tentemos interpretar detalhes em alegorias que não foram explicados.
Muitos pontos em João 15 jamais são explicados. Então, já que se trata de uma alegoria, o Senhor não estava preocupado com os detalhes, mas sim com a ideia principal.
- A segunda advertência é: não tentemos dar significado espiritual a cada detalhe da alegoria.
Esse foi o erro que deu início ao que é chamado Método Alegórico de Interpretação Bíblica no qual o intérprete faz uma conexão espiritual e teológica com cada detalhe. Começou com Orígenes no século segundo d.C., que afirmava que a Bíblia tinha um significado oculto.
A tragédia do Método Alegórico de Interpretação Bíblica é que, no fim, conduziu, entre outras coisas, à Idade das Trevas. Durante a Idade Média, a Bíblia se tornou um livro fechado para a população em geral. O povo ignorante não podia, certamente, entender as coisas profundas de Deus. A essa altura da história, o povo comum dependia totalmente dos sacerdotes, padres e teólogos para realmente entender esse livro misterioso. Como resultado, a Igreja organizada distorcia o conteúdo da Bíblia e a manipulava, de forma a dizer o que a Igreja quisesse, a fim de controlar o povo.
Foi somente a Reforma Protestante que arrancou a Bíblia dos púlpitos das catedrais e das ordens secretas, trazendo por terra o método alegórico de Orígenes. Martinho Lutero, no início de 1500, lançou um movimento que acabou colocando a Bíblia nas mãos do povo, derrubando o método alegórico de Orígenes. Ele escreveu: “Alegorias são especulações vazias e se tornaram a escória das Escrituras.” Ele também disse: “As alegorias de Orígenes não valem de nada!”
O importante de entender é que, na alegoria, os detalhes não carregam nenhuma verdade teológica escondida; eles são simplesmente parte da história para dar vida e fornecer aspectos culturais.
No texto de João 15, versos 1 a 11, ou qualquer outra alegoria, a pergunta a fazer é: “Qual é a ideia principal e o propósito do ensino de Jesus? Qual é o ponto principal?”
Essa alegoria diz que nós somos galhos que produzem fruto. Isso significa que precisamos de bastante água e luz do sol? Porventura, essa alegoria quer ensinar que, assim como as uvas são dadas em cachos, nosso fruto também será em grande quantidade e nunca um a um? E, mais sério que isso, será que Jesus quer dizer que, se eu não produzir fruto, serei cortado do corpo de Cristo e lançado no fogo do inferno? É isso o que o verso 6 parece dizer:
Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam.
Imaginemos um crente pensando: “Se eu não produzir fruto, vou acabar indo para o inferno!” Primeiro, isso é inconsistente com o ensino de nos tornarmos parte do corpo de Cristo. Nós não nos tornamos partes do corpo de Cristo porque produzimos bons frutos. Então, será que Jesus está ensinando que eu devo produzir fruto para permanecer no corpo? Também não. Isso também é inconsistente com outros textos bíblicos que claramente explicam o assunto. Paulo escreveu em Romanos 7: “O que não quero fazer, eu faço e o que quero fazer, não faço.” Daí ele diz no verso 24: Quem me livrará do corpo desta morte? Em outras palavras, Paulo luta com a sua falta de fruto. Ele sabia que podia fazer mais. Ele continua dizendo no capítulo 8, verso 1: Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. O importante em João 15 é que Jesus não ensina sobre “filiação;” ele faz uma alegoria com o ato de produzir frutos.
O ensino de João 15 é que devemos reconhecer Cristo como nossa fonte de vida e, à luz disso, produzir fruto. Se não produzirmos fruto, seremos inúteis à causa de Cristo, assim como um galho seco que não produz fruto é inútil para uma videira. A interpretação literal das Escrituras não recusa o fato de que existe linguagem metafórica na Bíblia; ela simplesmente interpreta alegoria como alegoria conforme o próprio texto indica, buscando entender a verdade principal sem se deter nos detalhes.
João 15.1–11: A Ideia Principal
Com tudo o que foi dito, fica a pergunta: O que Jesus pretendeu que os primeiros discípulos entendessem com essa alegoria? Quais são os pontos legítimos de comparação entre a vida do crente e a vida da videira?
- O primeiro princípio é: a produção de fruto espiritual é resultado direto de um relacionamento. Ou seja, a chave para que um ramo produza fruto é sua dependência e relacionamento com a videira.
Vejamos novamente João 15, versos 4 e 5:
Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Como não pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira, assim, nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.
Parte de nossa mediocridade espiritual vem do fato de que estamos convencidos de que podemos produzir fruto; então, continuamos sempre tentando. Mas a verdade é que nós não podemos produzir fruto; podemos apenas carregar o fruto. Como Andrew Murray[2] escreveu:
O ramo não é nada mais do que uma prateleira onde os frutos da videira estão pendurados. É a seiva da videira correndo pelos ramos que produz fruto. Da mesma forma, é a vida de Cristo fluindo em nós que produz algo de valor.
Paulo coloca isso da seguinte maneira em Filipenses 1, verso 6, e Filipenses 2, verso 13:
…aquele que começou boa obra em vós há de completá-la… porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar
Estou convencido de que, se buscarmos o fruto do Espírito, um de cada vez, quando chegar ao final da lista já teremos perdido a paciência e o amor. Por quê? Porque, pela graça de Deus, ele não permitirá que realizemos sozinhos aquilo que Ele mesmo já disse que somente Ele pode fazer em nós. Por esse motivo o fruto é chamado de fruto do Espírito. Não é fruto de João, Maria ou José; é o fruto do Espírito de Deus. A única coisa que podemos ser é um ramo disponível, no qual o Seu fruto — Sua vida, Sua força, Sua paciência, e paz, e amor — e Seu caráter sejam revelados.
Jesus Cristo está no processo de transformar as coisas e fazer uma inversão típica. A condição para cada crente não é que seja forte, mas que não tenha força alguma; não é que precisemos de pouca ajuda, nós simplesmente somos impotentes. Paulo disse em Filipenses 4, verso 13: Tudo posso naquele [Cristo] que me fortalece.
Em João 15 o Senhor disse a mesma coisa de maneira diferente. Veja o verso 5, onde Jesus diz: porque sem mim nada podeis fazer. Podemos fazer talvez algo ou poucas coisas? Não. Cristo diz que não podemos fazer absolutamente nada sem Ele. A ideia é: não estamos simplesmente aleijados; estamos totalmente paralisados.
Vejamos novamente no capítulo 15 os principais pontos da alegoria de Jesus:
De novo, a ideia principal dessa alegoria pode ser vista na repetição da expressão “permanecer em mim.” Isso significa permanecer em comunhão com Cristo. E, quando nós temos comunhão com Cristo, Ele nos dá a Sua insígnia — o selo que revela nosso relacionamento. O verso 8 diz claramente:
Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos.
O selo do discípulo verdadeiro é o fruto.
De fato, de acordo com a mente de Cristo, quando Sua vida flui em nós e através de nós, o segundo princípio vem à tona.
- O segundo princípio é o seguinte: a produção de fruto espiritual é o resultado esperado de nosso relacionamento.
A ideia principal dessa alegoria é permanecer e produzir frutos. Perceba as diversas vezes em que Jesus menciona a ideia de “produzir fruto.” Vejamos os versos 7 e 8 novamente:
Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito. Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos.
Será que Ele fala de uvas aqui? Não. Jesus se refere a fruto espiritual. É interessante que a metáfora do fruto é usada por todo o Novo Testamento. Por exemplo, quando louvamos e agradecemos a Deus por alguma coisa, nossos lábios estão produzindo frutos. Veja Hebreus 13, verso 15:
Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome.
Quando reconhecemos o controle de Deus sobre nossas finanças e damos uma oferta à obra do Senhor, nossas ofertas são consideradas como frutos. Em Filipenses 4:17, Paulo se referiu à oferta da igreja de Filipos como karpos ou “fruto.”
Não que eu procure o donativo, mas o que realmente me interessa é o fruto que aumente o vosso crédito.
Vejamos João 12, verso 24:
Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto.
Veja que nesse verso Jesus novamente usa uma metáfora. Ele não diz que devemos ir e nos enterrarmos três metros debaixo da terra. Ele diz: “Quando sacrifica os seus próprios planos e sonhos por causa dos planos de Deus, sua vida é tida como proveitosa.”
Mas, afinal, o que é o do Espírito? Em Gálatas 5, versos 22 e 23 está a resposta:
Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei.
24 – E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências. (grão de trigo?)
Creio que muitos discípulos se frustram porque buscam a coisa certa, mas da maneira errada. O fruto do caráter de Deus é a coisa certa, mas não podemos conseguir nada independente dele. Veja, de novo, João 15, verso 5, onde Jesus diz:
Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.
Em outras palavras, “Se você buscar o fruto, nunca conseguirá nada; mas, se buscar um relacionamento íntimo comigo, produzirá frutos.” Assim, buscamos a Deus. Se o nosso objetivo for permanecer em Cristo, Ele produzirá em nós o seu caráter com o decorrer do tempo. Ele mesmo prometeu isso. E isso acontecerá com todos os que permanecem nele, isto é, que andam com ele, desenvolvem um relacionamento com ele. Futuramente, produziremos as mesmas qualidades de Jesus.
Deixe-me ilustrar isso. Você nunca se sentou do lado de seu filho e lhe disse: “Certo, agora vou ensiná-lo a falar igualzinho a mim, com o mesmo sotaque. Vamos, repita comigo: ‘Porta’.” Mãe, você nunca deu aula particular à sua filha para ensiná-la a jogar o cabelo como você, ou como contar historinhas de bonecas assim como você conta. Pai, você nunca deu uma aula formal ao seu filho para que ele aprendesse a andar como você anda. Eles aprendem isso com o decorrer dos anos ao permanecerem conosco. Algumas coisas puxamos de nossos pais ou mães logo cedo quando crianças, mas a grande maioria foram se desenvolvendo com o tempo.
A produção de fruto é resultado de um relacionamento, e não de um guia de devocional melhorado. Concentremo-nos em nosso relacionamento e comunhão com o Senhor. Ele nos ensinará, com o tempo, a falar como Ele, a enxergar a vida como Ele a enxerga e a andar como Ele anda. E, quando isso acontecer, ficará claro que nós não temos nada a ver com isso, a não ser nossa disposição de andar com Ele e ouvi-Lo. Será a vida de Cristo fluindo através de nós.
João 15.1–11: Resumo
Vamos resumir o assunto com duas declarações a respeito dessa passagem.
- Primeiro, a produção de fruto não é uma recompensa por esforço próprio.
Em outras palavras, a produção de fruto é resultado do esforço de Cristo fluindo através dos crentes que se disponibilizam a atuar como ramos. O galho de uma árvore não “se esforça” para produzir fruto; ele apenas permanece na árvore e, por causa de sua ligação com a planta, desfruta das leis da sua natureza.
Veja as palavras fortes de Jesus no verso 16:
Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda.
Ou seja, “Eu escolhi você; eu o coloquei no seu lugar; eu sei do que precisa para cumprir sua responsabilidade. Pare de ficar olhando debaixo de todas as folhas; pare de avaliar a natureza de seu galho. Olhe para mim!”
- Segundo, a produção de fruto não é motivo para exaltação pessoal.
Veja novamente o verso 8:
Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos.
Faz sentido, não é? Se não fizemos nada além de só permitir que Cristo revele seu caráter através de nós, Ele merece receber todo o crédito.
Corrie ten Boom[3] escreveu o seguinte em forma de humor:
Um pica-pau batia o seu bico contra um tronco de árvore quando um raio caiu e partiu a árvore ao meio. Ele voou e disse: “Não sabia que tinha tanta força assim no meu bico!”
Ela acrescentou: “Não seja um pica-pau bobo. Saiba de quem a força vem e a quem pertence o crédito.”
A mensagem do Senhor Jesus, na noite antes de ser crucificado, foi: “Senhores, permaneçam em mim. Se permanecerem em mim, produzirão frutos maravilhosos. Nunca adorem os frutos, somente a mim; nunca busquem simplesmente os frutos, busquem a mim e desejem intimidade comigo.” Quando assim fazemos, suas palavras se tornam realidade. Veja o verso 11:
Tenho-vos dito estas coisas para que o meu gozo esteja em vós, e o vosso gozo seja completo.
A alegria é de quem, nossa? Nós criamos o ambiente para que isso possa acontecer? Não! Nessa metáfora, somos apenas ramos desfrutando de um relacionamento com a videira. Somos revigorados pela seiva que alimenta nossa vida e que é cheia de alegria.
A pergunta é simples: Onde está o nosso Sol, o Filho de Deus?” Cristo pergunta: “Você olhará para mim, me seguirá? Está disposto a produzir meu fruto em sua vida? Jesus diz que, se permanecermos nele, o Pai será glorificado e nós seremos alegrados. No fim, a causa de Cristo terá o potencial de frutos preciosos.
[1] Do dicionário Oxford Languages:
Alegoria: substantivo feminino
1 BRASIL – cada uma das figuras ou ornamentações que ilustram o enredo de uma escola de samba.
- modo de expressão ou interpretação que consiste em representar pensamentos, ideias, qualidades sob forma figurada.
[2] Anrew Murray (1828 -1917, Sul africano) foi pastor presbiteriano, autor de vários livros
[3] Corrie ten Boom – 1892 – 1983, escritora protestante holandesa