O Bordão de Moisés

“Os escribas e fariseus trouxeram à sua presença uma mulher surpreendida em adultério e, fazendo-a ficar de pé no meio de todos, disseram a Jesus:

Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes?

Isto diziam eles tentando-o, para terem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo. Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse:

Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra.

E, tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão. Mas, ouvindo eles esta resposta e acusados pela própria consciência, foram-se retirando um por um, a começar pelos mais velhos até aos últimos, ficando só Jesus e a mulher no meio onde estava. Erguendo-se Jesus e não vendo a ninguém mais além da mulher, perguntou-lhe:

Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?

Respondeu ela: Ninguém, Senhor!

Então, lhe disse Jesus:

Nem eu tampouco te condeno; vai e não peques mais.

João 8:3-11

Tive um sonho inquietante que acabou por me acordar e o enredo do sonho permaneceu em meu pensamento, impedindo-me de voltar a dormir. Resolvi, então, levantar e tentar relatar, escrevendo, a trama toda.

Ronaldo Mazula, meu bom e íntimo amigo há mais de 35 anos, é padre católico. Professor, mestre em história da igreja, teólogo brilhante, com acentuado perfil missionário. Em meu sonho, eu estava apresentando a ele o trabalho que desenvolvemos no ministério Amor que CoMove, da Igreja Presbiteriana de Curitiba, cuja missão é evangelizar, pelo atendimento a pessoas em situação de rua, dependentes de drogas e álcool e famílias em situações de fragilidade.

No sonho, tudo se passava em um sábado, dia da semana em que tradicionalmente celebra-se um culto dirigido aos jovens da IPC. Aproximava-se o momento do início do culto e o celebrante, Rev. Davi Nogueira Guedes, meu ótimo e também íntimo amigo, acabara de me avisar que, por causa de um imprevisto não poderia celebrar o culto. Tomei então a iniciativa de me dirigir às pessoas presentes, comunicando que o culto seria cancelado, quando o Padre Ronaldo propôs-se a oferecer uma reflexão teológica.

Porém, tudo era improvisado e, como era de se esperar, Pe. Ronaldo não conhecia a liturgia presbiteriana e foi apresentando suas considerações sobre uma leitura bíblica (não lembro qual), até que começaram a espocar murmúrios e discretas reclamações. Foi o momento em que acordei, sentindo-me muito acuado e até envergonhado…

Em estado de semiconsciência, comecei a tecer uma trama na qual, a partir de um ponto, comecei a ter inspirações para argumentar com as pessoas que reclamavam.

É muito fácil e intuitivo julgar. Mas ali estava o Pe. Ronaldo, sem qualquer obrigação, disposto a levar uma Palavra bíblica a um grupo de pessoas reunido com o propósito de ouvir.   Ali estavam também outras pessoas dispostas a oferecer o seu tempo e o seu empenho para servir àqueles que se sentiam no direito de julgar e reclamar – atirar pedras.

É fácil e cômodo ir à Casa de Deus para alimentar o espírito pelo ouvir da Palavra e, obviamente, nada há de errado nisso. Ao contrário, na verdade, é uma obrigação e uma necessidade do cristão. Mas há os que vão para se alimentar por ouvir e por servir. Arriscam-se e expõem-se na tentativa de ajudar a carregar a cruz.

Há os que nem ao menos se importam e passam suas vidas ao largo de tudo isso, circunscritos às “suas realidades”, como ali tudo estivesse contido.

Há os que se incorporam à multidão para assistir ao espetáculo, silentes, atônitos e amorfos.

Há os que se incorporam à multidão para, protegidos pelo anonimato, gritar suas ofensas e impropérios.

Há os que buscam se destacar da multidão para, ativamente, vestindo a imaginária toga, proferirem suas críticas, julgamentos e sentenças, prontos a atirar suas pedras sem pensar sobre o contexto e a história que terminaram no fato em exposição, talvez como forma de desviar seus pensamentos sobre seus próprios atos e assim amortecer suas próprias consciências.

Pensei que aquilo que Jesus nos ensina pode ir além do óbvio.  Não nos cabe julgar. Nem mesmo Ele nos julga, mas ordena “vai e não peques mais”, ou seja, aprenda com isto, com ser criticado, acusado ou confrontado. Não apenas se defenda ou encontre desculpas para tentar se justificar, afinal, só Jesus pode nos justificar. Arrependa-se e não repita os erros.

Na parábola dos talentos (Mateus 24:14-30) Jesus nos exorta a usar os recursos que nos são confiados pelo Senhor, em obediência aos Seus mandamentos e submissos à Sua vontade. Conhecemos Seus mandamentos e Sua vontade, pois nos são transmitidos pela Palavra. Conhecemos nossos talentos e nossos recursos, pois os temos por toda a nossa vida, porém não são nossos, Deus no-los confiou. Não sejamos, pois, “servos maus e negligentes”.

“Perguntou-lhe o Senhor: Que é isso que tens na mão? Respondeu-lhe: Um bordão”. 

Êxodo 4:2

Em Êxodo 4, Deus insiste em delegar a Moisés a missão de resgatar o Seu povo, mas Moisés insiste em esquivar-se, declarando-se incapaz, fraco e outros pretextos diversos, diz a Deus “Ah! Senhor! Envia aquele que hás de enviar, menos a mim.” Deus então se irrita e lhe deixa claro que Ele é quem capacita, guia, sustenta e realiza, bastando a Moisés confiar, submeter-se e obedecer.

“Toma, pois, este bordão na mão, com o qual hás de fazer os sinais.”

Êxodo 4:17

26 de janeiro de 2020

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