ORAÇÃO DA MAÇANETA
Autor: Gioia Junior
Não há mais bela música
que o ruído da maçaneta da porta
quando meu filho volta para casa.
Volta da rua, da vasta noite,
da madrugada de estranhas vozes,
e o ruído da maçaneta,
o gemer do trinco,
o bater da porta que novamente se fecha,
o tilintar inconfundível do molho de chaves,
são um doce acalanto, uma suave cantiga de ninar.
Só assim fecho os olhos,
Posso dormir e descansar.
Oh, a longa espera,
A negra ausência,
As histórias de acidentes e assaltos
Que só a noite, como ninguém, sabe contar!
Oh, os presságios e os pesadelos,
O eco dos passos nas calçadas,
A voz dos bêbados na rua
E o longo apito do guarda
Medindo a madrugada,
E os cães uivando na distância
E o grito lancinante da ambulância!
E o coração descompassado a pressentir
E a martelar
Na arritmia do relógio do meu quarto
Esquadrinhando a noite e seus mistérios
Nisso, na sala que se cala, estala
A gargalhada jovem
Da maçaneta que canta
A festiva cantiga do retorno.
E sua voz engole a noite imensa
Com todos os ruídos secundários.
– Oh! Os címbalos do trinco
e os clarins da porta que se escancara
e os guizos das muitas chaves que se abraçam
e o festival dos passos que ganham a escada!
Nem as vozes da orquestra
E o tilintar dos copos
E a mansa canção da chuva no telhado
Podem sequer se comparar
Ao som da maçaneta que sorri
Quando meu filho volta.
Que retorne sempre são e salvo,
Marinheiro depois da tempestade,
A sorrir e a cantar.
E que na porta a maçaneta cante
A festiva canção do seu retorno
Que soa para mim
Como suave cantiga de ninar.
Só assim, só assim meu coração se aquieta,
Posso afinal dormir e descançar.