Cartão do Natal de 2006

Este ano formulo meus votos de uma forma um pouco diferente. Quero, na verdade, revelar os pensamentos e reflexões que fundamentam os meus votos a todos vocês, meus familiares, meus amigos, meus colegas, aos que eu conheço e até aos que não conheço.

Hoje considero-me uma pessoa privilegiada, sob todos os aspectos, e encontro na minha história as explicações para isso.

Comecei tendo o privilégio de nascer em uma família que, se me fosse dado o poder de escolher, não poderia fazer melhor opção. Fui brindado com um pai firme, honesto, trabalhador, compreensivo e de bom caráter. A mãe amorosa, receptiva, dedicada, trabalhadora e honesta. Três irmãs queridas com as quais tenho compartilhado minha vida. Avós, tios, primos, sobrinhos ………  não dá pra falar de todos, sob o risco de vocês abandonarem a leitura.

Durante toda a vida tive o privilégio de cultivar amigos e ser cultivado por eles. Como uma progressão matemática, em quantidade sempre crescente. Cada um com sua característica. Não tenho um ex amigo…

Tenho o enorme privilégio de conviver com minha esposa e meus filhos maravilhosos, a quem procuro dedicar o melhor e com quem aprendo todos os dias. Por eles tento melhorar a cada momento.

Durante toda a minha vida tenho tido o privilégio de desfrutar de oportunidades e tempo para refletir.

Por um problema congênito, aos quatro anos de idade, tive que fazer uma cirurgia que me deixou seis meses imobilizado. Nas poucas lembranças que tenho deste período, sempre há uma figura amorosa, fiel e dedicada: pai, mãe, avô, avó, tio amigo. Não estou seguro, mas acho que neste período aprendi a desenvolver a paciência, a perseverança e valorizar as relações humanas. Durante a infância não entendia muito bem as poucas limitações que tinha nem as coisas que sentia. Na adolescência, entendia menos ainda, mas me sentia compelido a superar barreiras e limites e revelar minha revolta.

Aos vinte e um, pelo mesmo problema, tive o privilégio de desfrutar mais dois meses de imobilidade. Lembro bem de momentos difíceis, mas o que mais marcou foi a volta pra casa. Os familiares, os amigos, a solidariedade. Passei a valorizar o que eu tinha, a me dedicar ao que eu podia e tentar aprender melhorar o que eu sabia.

Aos vinte e oito, tive o privilégio de me tornar pai (privilégio repetido aos trinta e aos trinta e três). Interessante, mas acho que passei a ser melhor filho a partir de então. Eu sempre soube que meu pai, minha mãe e todas as pessoas nascem bebês, mas a partir de então eu comecei a sentir isso. Passei a entender meus pais e valorizar muito mais tudo o que eles fizeram por mim. Fiquei imaginando tudo o que eles sentiram em função do que eu fiz e passei. Passei a incluir a renúncia e o sacrifício entre meus instintos. O amor incondicional passou ser perceptível e natural.

Aos 30 anos, tive o privilégio de ser assaltado. Sob a mira de um 38 e a repetida afirmação de que seria morto, tive longas duas horas para pensar em todos: familiares, amigos, mas, principalmente, na minha esposa e meus filhos: o mais velho com dois anos e a mais nova com três meses.  Lembro de muitos detalhes daquele episódio, inclusive das balas no tambor do 38 que eu tive tempo de ver. Mas o que mais marcou foi que naquele dia eu aprendi a rezar. Descobri que Deus nos ouve. Eu sempre achei que acreditava em Deus e tinha fé. Aquele dia eu passei a sentir. E concluí que não estava pronto para morrer e que, atendendo ao meu desesperado e insistente pedido, Ele havia me concedido o privilégio de mais uma chance.

Aos quarenta e quatro, nova cirurgia. Desta vez tive o privilégio de ficar confinado ao meu quarto por dois meses, deitado, antes de iniciar gradativa recuperação de seis meses, passando por cadeira de rodas, andador, muletas e bengalas. Lembro de praticamente todos os detalhes. Os sentimentos, os pensamentos, as conclusões, as descobertas. Escolado pela experiência, assistido pelo eterno amor da família e amparado pela solidariedade dos amigos, passei muitas daquelas longas horas pensando nisso tudo que estou lhes contando agora.

Aos 48, em maio deste ano, tive o privilégio de sofrer um enfarte repentino e surpreendente. Lembro de absolutamente todos os detalhes. Eu fui andar de kart, com meu cunhado, sobrinhos e amigos. Não é segredo: sou aficcionado por automobilismo, mas estava há mais de quatro anos sem pisar em uma pista. Comecei a sentir os sintomas, mas quando concluí que estava “finalmente” enfartando, já estava sendo levado ao hospital pelo meu cunhado. Algumas frases do médico parecem ecoar até agora: “SE VOCÊ TIVESSE FEITO TODOS OS EXAMES HOJE, NÃO HAVERIA INDÍCIOS DE ENFARTE”, “SE A PARADA CARDÍACA TIVESSE ACONTECIDO FORA DA HEMODINÂMICA, VOCÊ PROVAVELMENTE TERIA MORRIDO” e “ACONTECEU TUDO NA HORA CERTA, NO LUGAR CERTO, O SOCORRO FOI MUITO RÁPIDO – NÃO VAI HAVER SEQÜELA”.

Eu não perdi a consciência em nenhum momento. Nem quando estava morrendo. E, naquele momento, o que eu pensei, senti e percebi é indescritível. O médico nervoso gritando com a assistente, a pedir tantos “CC” daqueles nomes que aparecem em filmes, enquanto cortava minha virilha para introduzir um cateter com um marca passo. Enquanto isso eu sentia uma tontura completamente estranha que foi crescendo até sumir e foi substituída por uma sensação absolutamente inusitada de não sentir nada (viu?…  eu falei que era indescritível). Bom….  mas não é isso que importa. O que eu quero mesmo transmitir é o que eu pensei.

Eu sempre soube que todo mundo morre. Quem não morreu ainda ….  vai morrer. Alguns amigos, familiares…. já morreram. Mas agora eu estava realmente sentindo isso. Eu estava morrendo. COMO  ASSIM?  Naqueles intermináveis segundos (ou minutos, não sei – o meu tempo era outro) eu, inicialmente fiquei surpreso. ENTÃO É VERDADE…  CHEGOU A HORA. MAS……  ATÉ QUE NÃO É TÃO RUIM…..  E aí fiquei surpreso novamente. Com a minha tranqüilidade. ESTOU MORRENDO!!!!   ??????    SENHOR, OBRIGADO POR TUDO. OBRIGADO POR MINHA FAMÍLIA, POR MINHA SAÚDE, PELA MINHA VIDA. OBRIGADO POR MEUS AMIGOS E POR TODO O PRIVILÉGIO QUE TIVE. POR FAVOR PERDOE MEUS ERROS E CUIDE, ABENÇOE, ILUMINE E CONDUZA, A ESPOSA E OS FILHOS MARAVILHOSOS QUE VOCÊ ME CONCEDEU…..  e comecei a pensar neles. Começando pela minha esposa, que me ama tanto, me suporta, me compreende, me ensina e me completa. Depois em cada um dos meus filhos com que fui abençoado. Que são tão preciosos para mim. E, então, embora eu ache que não me foi concedido este poder, eu concluí que ainda não era hora, pois eles ainda precisam de mim. Pensando neles, eu quis ficar mais um pouco. PRINCIPALMENTE A MINHA CAÇULA, QUE AINDA NEM FEZ 15 ANOS. E aos poucos tudo foi voltando ao normal. O corpo, os sentidos, os aparelhos a sala, os médicos.

O que eu quero dizer a vocês é que sou um privilegiado. Por tudo o que lhes contei, mas acima de tudo, pela FÉ que me foi concedida.  Para reconhecer a existência de Deus e Sua interferência em nossas vidas, precisamos de humildade. Precisamos perceber que nosso poder é muito pouco. Quando estive à beira da morte, o que importava para mim era o próximo momento, e isto não dependia mais de mim. Na primeira vez, eu estava apavorado, com medo, porque minha consciência não estava tranqüila e minha fé não existia. Agora, minha consciência estava muito melhor e minha oração era, tranqüila, a um Deus verdadeiro que estava me ouvindo. Naquele momento, quando cada um de nós estiver partindo, vamos confirmar a existência ativa de Deus. E não por nenhuma experiência mística, mas apenas por olhar para nossas vidas.

O Deus que me ouve não é um “deus interior”. É o Deus real. Que tem regras, que tem poder, que abençoa, que perdoa por seu Filho Jesus e que se faz presente e age pelo Espírito Santo. As regras que Ele nos impõe se resumem à nossa consciência, desde que tenhamos o discernimento do certo e errado.

Finalmente, formulo os meus votos de FELIZ NATAL, que querem dizer:

– Concedamos o perdão. (aprendi com minha esposa que o perdão é infinitamente melhor para quem concede do que para quem recebe)

– Sejamos humildes, busquemos o conhecimento do certo e errado e ajamos de forma a termos sempre a consciência tranquila. E, sabendo que somos falíveis, aceitemos o Perdão dos nossos erros, configurado em Jesus.

– Sejamos felizes, todos os dias em todos os anos novos que hão de vir.

Júlio Xavier Vianna Jr

12/2006

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